Quarta-feira, 31 de Março de 2004

...reflexões...

(texto inserido num comentário ao meu post intitulado "...não te quero escrever..." gentilmente postado nesta data no blog do www.indeterminado.blogs.sapo.pt)



Reflexões sobre tudo o que desse texto coube em mim. O silêncio e as invisibilidades de milhares de anos. Yung dizia que a razão e a doutrinação eram as doenças da civilização. Como senti isto tudo...Escrevi há tempos: Quando fui beber café a noite estava calma e eu andei um pouco a apanhar a brisa de norte na cara. Aliviou-me sentir que a ventania de leste já tinha apaziguado, mas enquanto caminhava o meu pensamento que nunca me larga dizia-me: Preciso de ajuda. Não como, não tenho fome. Fumo, fumo e bebo café. Ando de facto a apelar à morte e sinto que já não consigo contrariar este apelo. Tenho uma imensidão dentro de mim que queria gritar ao mundo. Hoje um homem na Holanda protestava contra a exclusão com as pálpebras e a boca cozidas. Olhei aquele homem e vi minha dor. O silêncio e o que não se olha. E não posso gritar meu grito, que tanto já gritei e que não o posso dar pois se tanto tem de beleza também tem uma mágoa de milhares de anos que a ninguém quero dar. Mas esta mágoa não é só minha – é de todos. Milhares de anos têm a dor silenciada que quis atenuar nos outros, e que a olhei num outro. Quem me pode ajudar? Quem é o médico que pode entender esta dor? Isto não vem nos livros. É outro saber. Mas a minha tristeza é ainda mais profunda. Esta é minha e de quantos milhões de seres no passado e no futuro e que no presente desabou em mim. O lado não visível da vida. E pensei – nesta civilização que se julga poder na Terra há dois mil anos mataram, crucificaram um homem , porquê? Porque sendo homem mostrava o outro lado do homem – olhar os outros, dar-se, ser sensível - a inocência da infância . O poder no homem, na luta pela sua sobrevivência, não suportou ver o seu outro lado, porque o invejou, odiou e matou. Cindiram nele os dois lados do homem e da mulher num e negaram esta. Depois de o matar inconscientemente montaram uma instituição para lhe criar uma imagem que servisse esse poder e enviar para as profundezas a memória da clivagem. A partir do espelho do poder criou-se a imagem de que aquele lado não existe nos homens na Terra e se existe na mulher é sinal de fraqueza e obra do diabo e é para subjugar. As religiões, todas que se impuseram no mundo, fizeram o mesmo com mais ou menos variações – cindiram os dois lados da vida e sempre excluíram a mulher. Fruto dos primórdios, ou do início do caminho que tem percorrer-se até ao saber do que é antes dos primórdios, a luta pela sobrevivência e pela evolução da espécie num meio desconhecido, a força muscular do sexo masculino foi determinante na luta contra os outros animais e elementos da natureza. Luta de um contra todos pelos elementos da natureza à medida que a espécie se mutava e dizimava nessa luta as mutações anteriores, que fez evoluir naturalmente as sensações de poder nos vencedores e de domínio sobre as forças da natureza. Mas a busca do porquê, do que somos, de tudo, atravessou sempre todos os tempos, mesmo quando não parece notória. Em todas as civilizações a força da rocha travou sempre lutas com a emergência da lava. Na luta do homem pelo domínio da Natureza como permitir que um homem com o outro lado não visto do homem dominador , destruísse essa sensação de domínio? Ainda mais quando esse lado não visto era mais visível nas mulheres? Colaram um sexo a Deus -homem para corresponder à imagem do seu poder e apagaram a mulher da História – O homem dominava, a mulher servia. A razão a força mandava, o sentir subjugava-se. As religiões acentuaram mais ainda os dois lados da vida que se ousavam mostrar. Mas o lado mulher faz parte do homem como o lado homem faz parte da mulher – é a inocência da infância inicial – a singularidade e é a busca de todos nós. Mas quem ambos os lados sentiram em si, homem ou mulher, em todas as civilizações, ao longo do tempo, foi dos mais variados modos rotulado, massacrado, crucificado, excluído. Os poderes visíveis e invisíveis excluem tudo o que lhes é estranho. Mas a vida rompe sempre e nessa expansão, questionado que é o poder das religiões estas buscaram sempre para a sua sobrevivência um outro aliado – o mesmo poder da ciência . O primado da objectividade para controlar e negar o incontrolável. . Como está na moda a bipolarização como doença como se não fosse corolário natural desta evolução, de tudo o que se opôs, porque não se ousa a fusão dos pólos pelo medo da cruz por uma bipolarização fundamental ao poder - céu e inferno, polarizaram-se a razão e o sentir, a vida e morte, a mente e o corpo, natural e sobrenatural, um e todos . E em conjunto cindiram o amor do desejo do prazer do corpo do homem da mulher. Acentuaram a cisão para afirmação do poder do homem sobre as forças naturais até aos extremos de monstruosidade revelados no séc. xx e a explosão de todo o tipo de rupturas e violentações uns dos outros cada vez maiores em cada ser. O ódio e o desamor destes tempos...e continuam. E os homens e as mulheres? fugiram de olhar para o seu outro lado dentro de si com medo da cruz, com medo de encontrarem para lá da morte os vazios de que se encheram em vida. Quanto mais fugiam mais sofriam e mais violentavam e mais se esvaziavam e mais oprimiam os que enchiam seus íntimos de vida. E o mundo de hoje mostra que é a infância que mais violentamos . Que sofrimentos... Eros Tanatos, ser e o não –ser, a vida e a morte... Ah meu amor cindiram tudo isto e o sofrimento não é Tanatos, não é o não-ser não é a morte , mas o poder que os rompe, que os cinde. A cobra que é também obra da natureza. Esse poder foi fruto das leis da natureza, a sobrevivência e a expansão. A luta entre a sobrevivência das certezas do passado com a inevitabilidade e incertezas do futuro. O poder – a veleidade de se controlar tudo o que é estranho à imagem. Os muros, os espelhos. O mundo está exausto do poder. Ele é a fonte da exclusão e é esta que fomenta o ódio. E poder não é liderar. Liderar é incluir todos, compreender e confrontar dar espaço-tempo e liberdade à diversidade olhando o futuro. É libertar a criatividade. O poder é exactamente o oposto – é sufocar, reproduzir, impor e julgar, olhando o passado e excluir. As mulheres cansadas que vi no meu rosto quem eram? Eram todas as que se deram em busca do outro lado dos homens fechado no silêncio, nunca olhadas, nunca visíveis? É este cansaço que eu sinto... E os homens, onde andam os homens que buscaram o mesmo? . O mundo dos adultos, a minha geração em especial assim tem moldado o mundo dos jovens pelo vazio de amor. Fica lá muito no fundo do vazio e dos males que nos fizeram, a inocência, a busca. Pior assim se torna encararmos e reflectirmos sem julgamentos os erros e os males que também fizemos. Por isso os caminhos da busca da paz são depois tão árduos e difíceis. È como a exclusão – tudo está montado para cada qual se considerar eleito. Até nas crenças religiosas que toldam a fé há sempre um mau da fita final que destrói todos os outros menos os seus, e dentro destes os mais “puros” segundo a sua imagem, os cristianismos têm anticristo, os muçulmanos, segundo as “mil e uma noites “ o Degial, os judeus, Deus ainda há-de vir só para eles, os sagrados, as outras não sei, e nesta altura não quero saber, apesar das religiões orientais serem mais saudáveis e naturais. Mas pelos vistos, que muito pouco deles sei, a Buda também só têm acesso os homens. E assim se molda a fé natural no ser humano, a busca da espiritualidade no seu corpo, pertença de algo grandioso e belo, a Natura, em poeiras de medo e escuridão e de exclusão. ………………………………………………………………………………………. No fundo é a história da história da humanidade Olhar o ódio dos outros é mais fácil que ir ao fundo do porquê do ódio – o poder - nascido naturalmente da luta solitária pela sobrevivência – de que não há culpas , fruto da própria evolução da e na natureza mas que ao se sobreviver e não consciencializar que a sobrevivência de um não tem sentido sem a dos outros , se vai esvaziando de coerência e afecto , e só reproduz exclui e destrói, ao contrário da vida que é inclusiva , construtiva e criativa e isto é dádiva e amor. E as consciencializações são infindas como o é a diversidade da vida. Mas continuar-se a não querer ir ao fundo do porquê do ódio, é alimentar o ódio próprio dos ódios dos outros. Até se ir ao fundo da solidão de cada qual consigo e do desespero. Porque por se ter sobrevivido sozinho às dores, na visão do betão que em camadas distintas em cada ainda cobre – a resiliência, espanto meu, se acham eleitos, por isso escolhem a vaidade, por também julgarem que as suas dores são maiores que as dos outros, como se fossem possível quantificar dores, então foram os maiores e assim reclamam a atenção e servidão dos outros e assim excluem e não se olham também nas dores dos outros, nem nas que dão. Está à vista o caos da arrogância dos narcisistas da eleição na dita terra sagrada,...de ninguém. Não há santos nem, demónios, nem eleitos, nem escravos. E nem vêem que fazem igual ao que lhes fizeram! Até que o amor se derrame. O poder, todos os poderes, hoje põem em causa a expansão da vida. Esta sobrevive sempre. A luta pela sobrevivência da vida assim o exige, nem que seja pela exterminação desta espécie predadora. Tenho de calar-me. A leitura do texto de hoje fez soltar-me um grito. Tenho de calar-me porque o meu grito é sem fim.

(autoria: Eureka_cruz@sapo.pt)
publicado por quim às 11:27

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De quim a 1 de Abril de 2004 às 11:36
..."...quando Artes, Ciências e Dádiva, no Silêncio se juntarem, então se perceberá..."...
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